quarta-feira, 13 de maio de 2009

W.H. Auden


A SOLITÁRIA NATA


Eu ouvia da sombra, numa cadeira de praia,
A gama de ruídos que por meu jardim se espraia
E julgava de toda conveniência se isentasse
Do dom da palavra tanto os vegetais como as aves.

Um tordo sem nome de batismo repetia
O Hino Tordo, que era tudo quanto conhecia.
Por terceiro esperavam as flores roçagantes
Para dizer-lhes, sendo o caso, quais os pares de amantes.

Não seria, nenhum deles, capaz de mentir;
Tampouco havia ali quem sentisse a morte vir-
Lhe ou que, com ritmo ou rima, pudesse dar tento
Da sua responsabilidade pelo tempo.

Ficasse a linguagem para a solitária nata
Dos que contam os dias e esperam certas cartas.
Ao rir e ao chorar, nos também fazemos ruídos.
Palavras são só para os que estão comprometidos.


Tradução: Jose Paulo Paes

sábado, 9 de maio de 2009

Jóis Alberto

QUATORZE VERSOS VERLAINIANOS



O cisne rima o cisma.
A ema contextura poema.
Cisca o galo, voa
Céu de nuvem vermelha.

Mnemônica marginália
Incauta e bêbada juvenília
Irrealizado cisne negro
Macabro humor noir.

Galantes pavões engalanados
Cisne-clichê poeta ensimesmado
Personagens desta Commedia dell'Arte

Leandro Pierrô Arlequim e outros belos
Scaramucho Colombina Polichinelo
Mamulengos no Teatro do Poder Atômico

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Anna Akhmátova


cleópatra


Os palácios de Alexandria
Cobriram-se de sombras suaves.
Púchkin


Ela já beijara os lábios de Antônio, sem vida,
E chorara, de joelhos, ante Augusto, vencida...
E os servos a traíram. Sob a águia de Roma
As trombetas ressoam. E o crepúsculo assoma.

E chega o último escravo de sua beleza,
Alto e solene, num sussurro, ele pondera:
"Vão te levar para ele... em triunfo... como presa...'
Mas a curva do colo de cisne não se altera.

Amanhã prenderão seus filhos. Pouco lhe resta:
Brincar com esse rapaz até perder a mente
E, de piedade, a víbora negra - último gesto -
Depõe no peito moreno com mão indiferente.


Tradução: Augusto de Campos

Márcio Simões


I.III

Por nenhum atalho
ou vereda
pode-se chegar
ao esperado

Em todos os atalhos
e veredas
passeia o
ansiado

Aquele que anseia
e seu desejado
é todo atalho
e todo veredas

segunda-feira, 4 de maio de 2009

jorge salomão


ir adiante:
diamante brilhando na lama
ir adiante:
água podre correndo rua abaixo

ir adiante:

nada a fazer de tão absoluto

ir adiante:

você saindo de foco

ir adiante:

novas imagens entrando

ir adiante:

adiante do adiante


adiante

Das Cartas Náuticas, de Mário Ivo


XVI

D-e-a-r:

Sabe quando resta um gostinho amargo no céu da boca, na parte interna das bochechas, depois de uma manhã tardia?
Assim estou eu. Esse gostinho amargo navegando entre as gengivas.
Culpa do levantar-se tarde, o sol alto, os passarinhos nem mais cantando.
Cafeína e alcatrão.
Tudo aceso, luzes ainda por apagar, a brasa extinta.
As pedras frias.
O mar alto.
Nuvens.
Um pouco de névoa, maresia.
Restam ainda os restos do banquete para levar além
do rio.
Quem me levará além do rio?

domingo, 3 de maio de 2009

Cem anos de Ataulfo Alves!


Desde criança que eu adoro o Ataulfo, era um dos compositores preferidos do meu pai. Ele tinha praticamente a discografia completa e eu sacava tudo. Até hoje, Ataulfo é também um de meus compositores preferidos. Os sambas são lindos. Perfeitos. Gosto muito da releitura que Itamar Assumpção fez. De vez em quando ouço. Lembro-me bem que Caetano Veloso, no seu show Muito, no Palácio dos Esportes, ainda na década de 70, cantou lindamente e inesperadamente Leva meu samba, e eu fiquei arrepiado de prazer ao ouvir aquela pérola ainda mais lapidada pelo meu poeta-cancionista preferido. Salve Ataulfo! João